Lojas estrangeiras arrecadaram R$ 68,94 bilhões dentro do território brasileiro em 2022; governo está de olho nos impostos, mas sofre pressão popular para não tributar empresas como Shein, Shopee e AliExpress

Jade Gao/AFPShein
Apenas a plataforma chinesa Shein movimentou cerca de R$ 8 bilhões no mercado brasileiro em 2022

Lojas internacionais (sobretudo da China) com operações majoritariamente online como Shein, Shopee e AliExpress têm causado dor de cabeça à indústria e ao varejo brasileiro. Desde o ano passado, empresários e associações do setor pressionam o governo para taxar as operações das companhias estrangeiras com os mesmos tributos que incidem sob as empresas brasileiras. Segundo o grupo de varejistas nacionais, os produtos dessas plataformas são subtaxados na entrada do país, fazendo o Brasil perder bilhões em arrecadação e ser alvo do que classificam como “contrabando digital”. Dados do Banco Central revelam que a importação de pacotes de pequeno valor por meio do comércio eletrônico está em pleno crescimento no país. Em 2022, esse tipo de operação somou US$ 13,14 bilhões (cerca de R$ 68,94 bilhões), mais do que o dobro do ano anterior. Apenas a Shein movimentou cerca de R$ 8 bilhões (R$ 41,97 milhões) no segmento de moda com compras do público brasileiro. O valor é comparável às operações somadas de varejistas tradicionais como C&A e Marisa, considerando tanto o e-commerce quanto as lojas físicas. Contudo, a forma como as plataformas internacionais levam seus produtos até o consumidor é considerada ilegal por empresas brasileiras. Elas argumentam que os produtos vêm do exterior e transitam no país sem o recolhimento de qualquer tributo. Atualmente, a legislação brasileira obriga o pagamento de imposto de importação para operações comerciais, independentemente do valor da transação e para operações sem fins comerciais de valores acima de US$ 50 (R$ 262,32). No entanto, na prática, produtos dos e-commerces conseguem entrar no Brasil sem o pagamento dos devidos tributos.

Diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Pimentel esclarece que as companhias brasileiras não querem taxar de forma extraordinária as estrangeiras, mas, sim, que elas paguem os impostos já previstos na legislação brasileira, assim como é feito por outras plataformas. “O que está acontecendo é que as encomendas de algumas dessas companhias chegam ao Brasil driblando da legislação para evitar o pagamento do imposto previsto na importação simplificada. Se eles estão produzindo na China ou em qualquer outro lugar e mandando para o nosso país sem pagar os nossos impostos, estão concorrendo deslealmente com o varejo e a indústria brasileira. Há toda uma movimentação para driblar o Fisco brasileiro e prejudicar a produção do varejo local. Não estamos discutindo aqui a existência das plataformas. Queremos que elas cumpram a lei. Elas têm que pagar os impostos devidos, assim como as empresas brasileiras e outras internacionais que exportam para cá. Como as companhias locais pagam impostos, estamos falando de uma competição desigual e ilegal. Não há nenhuma perseguição às lojas estrangeiras em si, mas à forma como estão operando dentro do país”, define. Pimentel exemplifica que, caso a Shein tivesse pago impostos federais previstos para importação durante 2022, teriam sido arrecadados cerca de R$ 4,8 bilhões para os cofres públicos.

Diretor-executivo da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX), Edmundo Lima ecoa o discurso de que a demanda das organizações é pela isonomia tributária, uma vez que, dentro do varejo brasileiro, há o recolhimento de tributos, Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e outras taxas. “Não queremos criar algo novo, apenas que as companhias estrangeiras obedeçam a mesma legislação vigente na operação nacional para termos a mesma condição de concorrência. O sentimento dos empresários é de revolta diante dessa situação. As empresas brasileiras geram empregos, arcam com custos de manutenção, investimento em infraestrutura e seguem regras de segurança para o consumidor, enquanto essas plataformas não obedecem nenhum tipo de diretriz. As companhias estrangeiras têm preços baixos por conta da sonegação de imposto, além de muitas vezes explorarem a mão de obra. A indústria que abastece esse varejo acaba tendo processos irregulares, muitas vezes com trabalho análogo à escravidão. É uma prática desleal e que rouba emprego da indústria e do varejo brasileiro, contribuindo para nossa crise econômica. Não somos contra as plataformas, mas queremos condições iguais e que não haja sonegação fiscal“, resume.

Para ele, a cobrança de impostos das lojas internacionais traria benefícios como o aumento de arrecadação do governo, geração de valor e riqueza na indústria. Além disso, essas companhias não seguem determinações legais ligadas à saúde e segurança do consumidor, como regulamentação para etiquetas, descrição da origem do produto e inclusão da composição têxtil no produto. Presidente Nacional da União Geral dos Trabalhadores (UGT) e do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, Ricardo Patah demonstra preocupação com a situação do comércio nacional e indica que a forma como os e-commerces estrangeiros têm atuado no país se apresenta como uma ameaça para o desenvolvimento econômico e social do Brasil. “É um grave problema sistêmico. Temos enfrentado nos últimos meses uma inadimplência grande, baixo consumo e juros elevados. Tudo isso já está trazendo um sinal de alerta para o comércio varejista no nosso país. Somado a isso, temos a pirataria digital de empresas como a Shein, que arrecadou mais de R$ 7 bilhões no país. Nossa preocupação é que esse movimento inicie um processo de demissões nas empresas locais. Por outro lado, a ausência de pagamentos de impostos traz impossibilidade do governo federal conseguir fazer a gestão de políticas públicas, como saúde e educação. Precisamos de uma corrente grande para impedir que situações dessa natureza continuem ocorrendo e afete a nossa população. Queremos acabar com importações piratas e valorizar o varejo do nosso país”, defende. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já indicou que é a favor da tributação. “Está crescendo a importação de produtos que não pagam nenhum imposto nesse país. Como é que a gente vai poder ficar vivendo assim?”, disse o petista nesta semana, em entrevista ao site Brasil 247. Nas redes sociais, consumidores se manifestaram contra a taxação.

Em nota, as companhias asseguraram que cumprem as regulamentações dos locais onde operam e reforçaram o compromisso com o público brasileiro. “A Shein ressalta que cumpre as leis e regulamentos locais do Brasil. A empresa destaca ainda que com o seu modelo único de produção, em pequena escala e com demanda garantida, produz produtos de qualidade e acessíveis para atender à demanda de seus consumidores. Além disso, não mede esforços para empoderar comunidades locais, tanto econômica como socialmente. A Shein reitera que tem se esforçado também para estabelecer parcerias com diversos fornecedores e vendedores locais no mercado brasileiro, bem como alavancar a plataforma de vendas, insights e marketing da companhia para apoiar o crescimento e sucesso dos seus negócios no país”, afirmou a varejista de origem chinesa. O AliExpress declarou que “é um marketplace global que conecta compradores e vendedores de todo o mundo, tem o compromisso de fornecer aos consumidores brasileiros produtos de qualidade e participar ativamente no desenvolvimento da economia digital local”. Segundo o serviço de varejo online, “cumprir as regulamentações dos locais onde operamos é nossa principal prioridade”.

A Shopee informou que atua no Brasil desde 2019 como uma empresa local, com CNPJ e sede em São Paulo. “Temos como compromisso conectar compradores e vendedores locais e apoiar o desenvolvimento da economia digital brasileira. Aliás, a grande maioria (mais de 85%) dos pedidos na Shopee são de vendedores locais. Além disso, 9 entre cada 10 vendas de vendedores brasileiros na plataforma são de uma empresa CNPJ. Atualmente, temos mais de 3 milhões de vendedores brasileiros cadastrados na plataforma, e esse número não para de crescer. Queremos capacitar todos os empreendedores locais a se beneficiarem da oportunidade da economia digital, oferecendo fácil acesso ao aplicativo, ferramentas e treinamento para expandir seus negócios online.”

O Mercado Livre, que também poderia ser alvo da taxação por ser um marketplace, afirmou que “compartilha da preocupação do varejo” quanto à legalidade da atividade. “Em operação no Brasil há mais de 23 anos, a empresa não se enquadra no questionamento levantado por parte do setor, defendendo que a observação das normas vigentes, a adoção de boas práticas, a qualidade da oferta e a experiência do usuário não dependem da nacionalidade de pessoas ou empresas. Além disso, a empresa monitora a natureza fiscal das transações realizadas dentro da plataforma, fazendo com que menos de 5% das vendas sejam realizadas por pessoas físicas, isentas de pagar tributos, de acordo com o Código Tributário Nacional. O Mercado Livre reforça seu compromisso para proteger o ambiente econômico, trabalhando por um comércio eletrônico justo, que promove condições e oportunidades iguais para todos.”

E os consumidores, o que dizem?

Nas redes sociais, o debate esquentou. Há quem defenda a taxação de empresas como Shein e Shopee, mas a maioria está ao lado dos e-commerces estrangeiros. “A galera tem a falsa impressão de que imposto é um mecanismo de cashback, né? Pagar mais impostos é igual a receber mais serviços. Sinto te informar,mas bolso de burocrata não tem fundo. Do dinheiro de imposto da Shein a gente não vai ver mais a cor”, disse um perfil no Twitter. Sobrou também para o governo federal após Lula revelar que está de olho nos impostos das empresas de fora. “Quem fez o L deve estar gostando de notícias como essa. Governo querendo taxar tudo o que vê pela frente”, criticou outro perfil. Até mesmo usuários de redes sociais identificados com a esquerda se mostraram contra as intenções do Palácio do Planalto. “O governo Lula querendo taxar Shopee e Shein para o pobre não poder comprar mais nem online enquanto diz que não pode taxar as grandes fortunas dos bilionários por medo de fuga de capital. Que coisa mais ridícula está sendo esse governo.” Em seus perfis no Twiiter e no Instagram, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem recebido centenas de mensagens por dia que clamam pela não taxação do comércio online internacional. “Pobre não pode nem se vestir melhor com o preço justo nesse país”, diz uma dos comentários mais curtidos.

Confira a repercussão nas redes sociais