Banco Central eleva a Selic para 5,25% ao ano e sinaliza repetir a dose de 1 ponto percentual no próximo encontro; mercado financeiro projeta taxa a 7% em 2021 e 2022

Adriano Machado/ReutersAutoridade monetária sinalizou para elevação dos juros para acima do nível neutro, considerado em 6,5% ao ano

O surgimento de novas pressões inflacionárias no segundo semestre de 2021 com a recuperação do setor de serviços e a volta do risco fiscal pressiona o Banco Central por um movimento mais agressivo na condução dos juros. A postura hawkish, jargão do mercado financeiro para ações mais tempestivas na política monetária, exposta nesta quarta-feira, 4, com a elevação da Selic a 5,25% ao ano, deu o tom para a forma que a autoridade monetária vai se comportar daqui para frente. A atitude é corroborada pela sinalização de um novo aumento de 1 ponto percentual no próximo encontro, no fim de setembro, subindo a Selic para 6,25%, o maior patamar desde julho de 2019. “É plenamente justificável essa mudança de postura diante dos vetores de aceleração da inflação que estão se reproduzindo nos últimos meses, e ameaçam se repetir no segundo semestre”, afirma Nicola Tingas, economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimentos (Acrefi).

O Banco Central destacou a retomada do setor de serviços, projetada para os próximos meses com o avanço da vacinação contra a Covid-19, como um dos pontos para a deterioração das expectativa da inflação. O segmento, o mais impactado pelas medidas de isolamento social, representa cerca de 60% do Produto Interno Bruno (PIB) e tem peso significativo na formulação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o medidor oficial da inflação brasileira. “O Banco Central se mostrou preocupado com processo de reabertura da economia e como será o impacto no setor de serviços”, afirma a economista-chefe da Veedha Investimentos, Camila Abdelmalack.

A piora do cenário fiscal também pesou na decisão do Copom em assumir uma postura mais austera na política monetária. Mais uma vez, a autoridade monetária citou a necessidade de responsabilidade com as contas públicas para o controle inflacionário. O recado foi endereçado principalmente para os débitos acumulados com os programas para mitigar os efeitos da crise sanitária. “[…] novos prolongamentos das políticas fiscais de resposta à pandemia que pressionem a demanda agregada e piorem a trajetória fiscal podem elevar os prêmios de risco do país. Apesar da melhora recente nos indicadores de sustentabilidade da dívida pública, o risco fiscal elevado segue criando uma assimetria altista no balanço de riscos, ou seja, com trajetórias para a inflação acima do projetado no horizonte relevante para a política monetária”. Para Fernanda Consorte, economista-chefe do banco Ourinvest, a posição indica que o BC quer “matar no peito” sozinho o controle das pressões inflacionárias. “Ele deixa claro que não pode contar com a ajuda da política fiscal”, afirma.

A pressão tende a se acirrar nos próximos meses, principalmente com a aproximação do ano eleitoral. O governo estuda uma série de pacotes para a área social, com foco na expansão do Bolsa Família. As conversas iniciais apontavam para um incremento de R$ 20 bilhões no orçamento do programa no ano que vem, elevando o total para R$ 50 bilhões. A origem do dinheiro, no entanto, ainda não é clara. Apesar do governo pregar que a iniciativa vai ficar sob o teto de gastos, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou que o Brasil deveria se endividar para que as parcelas fossem aumentadas para até R$ 400, ante a média de R$ 190 pagos atualmente.

Mudando o discurso dos últimos encontros, o colegiado reconheceu que o ciclo de elevação deve superar o patamar neutro dos juros, quando a taxa não estimula nem prejudica a economia, considerado em 6,5% pelos analistas. O movimento leva a política monetária para perto das projeções do mercado financeiro de Selic a 7% ao ano em 2021 e 2022, segundo dados do Boletim Focus divulgados nesta semana. A consolidação, no entanto, depende dos próximos passos do governo federal. “O Banco Central enfatizou que se não houver andamento das reformas, pode haver um impacto na taxa estrutural. Se o ambiente fiscal se deteriorar no ano que vem, a autoridade monetária já está sinalizando que vai precisar elevar a taxa, isso quer dizer para juros acima de 7%”, diz Tingas.



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